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Banner Artigos de Opinião 4168x1782px Tema 1 A prata da Casa Rui Fiolhais

A prata da casa

Há expressões muito antigas que não perdem atualidade. A “prata da casa” é uma delas e tem a vantagem de projetar significados que favorecem o entendimento do valor genuíno do melhor que há para dar. Quando afirmamos que “fomos lá com a prata da casa” transmitimos o orgulho de quem triunfou sem recursos externos, tirando o melhor partido do que temos em casa.

As raízes da expressão estão embebidas em solo medieval. Terão elas a ver com o estímulo que era dado aos hóspedes das tabernas e pousadas de utilizar a prataria da casa em vez de trazerem as suas alfaias de mastigação. Com isso saía enaltecida a imagem do estabelecimento e a importância de valorizar e tirar o melhor partido dos recursos internos.

Há uma outra origem que reforça o sentido da expressão. Nos últimos séculos, no seio das casas burguesas, tomou-se o hábito de ostentar, em ocasiões festivas, as baixelas de prata. Por esta via a “prata da casa” começou a ser percecionada como um sinal de respeito por quem nos visita, mas sobretudo como um gesto de deferência ao usar o melhor que há para oferecer.

Nas nossas organizações, em contrapartida, a expressão é por vezes empregue como sinónimo de “último recurso”, quando já não se consegue encontrar dentro de portas determinado valor acrescentado. Nesse aspeto somos muito messiânicos e ninguém nos tira a teima de que o melhor está sempre lá fora, muitas vezes iludidos pelo brilho da reputação alheia, mas quase sempre irmanados na convicção de que a “galinha da vizinha é sempre mais gorda que a minha”.

Felizmente há quem olhe para as organizações como espaços de celebração do talento. Quem use o recrutamento interno como ferramenta mandatória de crescimento. No limite quem se comprometa a ativar a mudança interna como forma natural de motivação e desenvolvimento da tripulação. Nesses ecossistemas a “prata da casa” é vista como resposta para os problemas e não como recurso subalterno que se ativa quando falham todos os outros.

Para gerir este tema é crucial assumir uma política de recrutamento interno. Ela é tanto mais necessária quanto se aposta na consolidação de uma cultura organizacional saudável. Porque ela assenta no princípio do respeito pelas pessoas, pelo seu potencial, pelas ambições que as animam. E pelo reconhecimento da sua experiência profissional e humana enquanto agentes de mudança que vivenciam e moldam os valores da organização.

Bom também será de ver que quando adotamos práticas de rotação interna estamos a evitar, como diria José Régio, as “ironias e cansaços” que há nos olhos de quem já “não quer ir por aí”. A estagnações e acomodamentos não só são combatidos como se propiciam oportunidades de crescimento, senão mesmo de ressurreição profissional. O brilho regressa aos olhos e, em vez perder pessoas, a organização recupera profissionais para a vida.

Quer isto dizer que o recrutamento externo é secundário? Longe disso. Quase sempre é inevitável quando as peças se movem no tabuleiro organizacional. Mas vale a pena, pelo menos, colocar ambos os canais em pé de igualdade. Abrir as vagas com publicidade interna e externa. Recrutar de mente aberta e aplicando os mesmos critérios de seleção. E escolher os melhores ainda que isso abra internamente novas posições.

A “prata da casa” é um tesouro que brilha com autenticidade. Tirar dela o melhor partido é um sinal de inteligência. Assim seja dado no quadro de uma política assumida de valorização do potencial humano que seja capaz de abrir caminho para futuros mais brilhantes. Para lá chegar não nos esqueçamos de polir a prata da casa.

Por Rui Fiolhais| Vice-Presidente Wellow™ Group